Levantamento mostra ainda que mais da metade da população convive com algum grau de insegurança alimentar
A fome no Brasil voltou a patamares registrados pela última vez nos anos 1990, de acordo com o 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia de Covid-19, lançado nesta quarta-feira (8). Atualmente, 33,1 milhões de pessoas, o equivalente a cerca de 15% da população, não têm o que comer no país — 14 milhões a mais do que no ano passado.
A nova edição da pesquisa mostra ainda que mais da metade da população brasileira (58,7%) convive com algum grau de insegurança alimentar (leve, moderado ou grave).
Especialistas que participaram do levantamento dizem que o desmonte de políticas públicas por parte dos governos, o agravamento da crise econômica, o acirramento das desigualdades sociais e o segundo ano da pandemia contribuíram para a piora do quadro.
No ano passado, o número de brasileiros que não tinham o que comer era de 19 milhões. Em 2018, eram 10 milhões. A falta de acesso regular à água para beber e cozinhar, a chamada insegurança hídrica, também é um problema para 12% da população brasileira.
— Já não fazem mais parte da realidade brasileira aquelas políticas públicas de combate à pobreza e à miséria que, entre 2004 e 2013 reduziram a fome a apenas 4,2% dos lares brasileiros — explica o coordenador da Rede Penssan, Renato Maluf.
— As medidas tomadas pelo governo para contenção da fome hoje são isoladas e insuficientes, diante do cenário de alta inflação, sobretudo dos alimentos, do desemprego e da queda de renda da população, com maior intensidade nos segmentos mais vulneráveis — diz.
Como explica a gerente de programas da Oxfam-Brasil, Maitê Gauto, a pandemia surgiu neste contexto de agravamento da pobreza, e o Estado não tinha mais estruturas para responder à altura. Não por acaso, 15,9 milhões de pessoas (8,2% da população) relataram "sensação de vergonha, tristeza ou constrangimento" por terem sido obrigadas a usar de meios "social e humanamente inaceitáveis para obtenção de alimentos".
A pesquisa é realizada pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede Penssan), com execução em campo do Instituto Vox Populi, Ação da Cidadania, ActionAid Brasil, Oxfam, entre outras instituições.
Os dados foram coletados entre novembro de 2021 e abril de 2022, por meio de entrevistas em 12.745 domicílios, em áreas urbanas e rurais de 577 municípios distribuídos pelos 26 Estados e o Distrito Federal. A pesquisa usa a Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (Ebia), a mesma usada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A pesquisa anterior, de 2020, mostrava que a fome no Brasil tinha voltado a patamares equivalentes aos de 2004. Este ano, o levantamento mostra que apenas quatro em cada 10 domicílios conseguem manter acesso pleno à alimentação; ou seja, são considerados em condição de segurança alimentar.
De acordo com os pesquisadores, os números atuais são similares aos do início da década de 1990, quando o Brasil tinha 32 milhões de pessoas abaixo da linha da pobreza e o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, lançou uma campanha nacional contra a fome.
Informação: GZH